“From Huffpost Brasil, April 6, 2018, by Priscilla Frank:”
Usando maquiagem esfumaçada nos olhos e um robe azul peludinho, a ex-princesa do pop Britney Spears canta uma letra de Frank Sinatra diante da câmera de seu iPhone e, com isso, do ciber-universo maior. “I want to be a part of it / New York, New York”, ela canta num vídeo postado no Instagram este ano, temperado por uma dose adicional de vibrato e um filtro que não apenas inunda a apresentação numa cascata de estrelas douradas, mas também confere à cantora orelhas peludas e a voz de um filhote de tâmia bêbado.
“Quem não curte Sinatra?” diz a legenda.
“Sim, sim!” indicaram mais de 1,6 milhão de seguidores, ao apertar o botão “curtir”.
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Sua versão simpática e maluquinha de Sinatra, o “Ol’ Blue Eyes”, não chega a ser uma anomalia. Depois de conquistar o mundo da música pop e passar por um derretimento completo em 2007, devidamente registrado pelos paparazzi, Britney reemergiu mais de uma década mais tarde como super-usuária declarada das redes sociais. Seu Instagram, em especial, uma mistureba de piadas bregas, mantras cheios de convicção e vídeos inexplicavelmente fascinantes filmados em selfie, funciona como um repositório de tudo que torna a internet uma coisa boa.
É claro que sou eternamente grata pelas joias sônicas com que Britney Jean Spears presenteou seus seguidores. (O primeiro show dela ao qual assisti aconteceu na própria cidade de Britney, Kentwood, Louisiana; frequentemente tento dançar a coreografia de “I’m a Slave 4U” quando estou superbêbada, e geralmente fico em lágrimas quando escuto “Everytime”.) Mas, se estamos falando da contribuição cultural mais influente, incomum e profundamente cultural de Britney, sou obrigada a apontar para seu feed no Instagram, multifacetado, sincero e que nos surpreende sempre.
Estou falando a sério. O Instagram de Britney está cheio de momentos de exame de consciência muito sincero que nas mãos de Kim Kardashian ou Beyoncé, por exemplo, poderiam parecer excessivamente produzidos ou muito distantes de nós, comuns mortais. Para seus 18 milhões de assinantes no Instagram, Britney ainda é a super-humana que aprendemos a amar, a mestre da metamorfose que passou pelas fases clássicas da vida de uma mulher – foi estrela mirim do Mickey Mouse Clube, colegial bonitinha, figura sensual dançando com serpentes, “desastre” prejudicado pela fama e, finalmente, ícone de Las Vegas – sob o olhar atento do público na primeira era da internet. Mas hoje, online e muito ciente do que fazer com seus selfies, Britney também é mãe, patriota, estudiosa de Nietzche, cristã, ioguine, crítica gastronômica, fã inveterada de Hillary Clinton, pintora, moleca e mulher muito feminina – tudo isso em um só feed que é atualizado constantemente.
Sua persona nas redes sociais é tão charmosa porque ela complica, em lugar de calcificar, a visão que os fãs têm de uma estrela.
A capacidade de Britney de suscitar perplexidade e fascínio é uma proeza rara, em meio a um feed infinito de influenciadores. Em um post ela se mostra tão básica quanto a garota da casa ao lado, postando frases inspiradoras do tipo “mantenha ao seu lado as pessoas que te ouviram quando você não falou nada” e frases supostamente espirituosas, mas altamente sem-graça, tipo “me deixe fazer compras e ninguém vai sair machucado”. Mas há outros posts que não se enquadram nesses moldes, como os memes de minions, as imagens de elefantes, imagens antigas em preto e branco de “crianças do passado” e exemplos de arte New Age.
E há, é claro, os posts que realmente arrasam: vídeos da própria Britney dançando, fazendo caras e bocas e atentando o espectador. Os clipes têm um clima espontâneo, até caseiro, apesar de claramente terem sido cortados a partir de muitas tomadas, que incluem várias trocas de figurino.
E é essa a razão por que nos fascinam: que Britney não se esforça para ocultar o esforço envolvido na produção de suas montagens. Rejeitando o descaso disfarçado e optando pelo esforço evidente, ela revela uma sinceridade tão exposta que vira vulnerabilidade. Para uma pessoa que já foi tão totalmente moldada e atormentada por um público insaciável, a transparência radical de Britney parece uma atitude especialmente destemida.
Falei de minha obsessão pelo Instagram de Britney numa troca recente de e-mails com a jornalista de cultura Mallika Rao (também ex-colega do HuffPost), que já escreveu sobre os mistérios da autorrepresentação online. Ela concordou que a sagacidade de Britney nas redes sociais se deve em parte à sua indiferença total à ideia de ser sua própria curadora, algo que lhe permite passar em um piscar de olhos de postar equações de cálculo a fotos dela própria de biquíni.
“O Instagram é uma ferramenta de gestão de marca, mesmo entre as pessoas vistas como ‘criativas’ ou ‘iconoclastas'”, Rao me escreveu. “Britney não parece ligar para a gestão de marca. Ela usa o Instagram do mesmo jeito que jovens antes usavam vídeos caseiros, para expressar fantasias e mostrá-las a um espectador imaginário. Sua maior beneficiária – sua espectadora perfeita – parece ser ela mesma.”
Um dos posts mais icônicos de Britney no Instagram, colocado online em outubro de 2017, é um vídeo em que vemos a artista multidisciplinar pintando flores e curvas numa tela diante de uma mansão com jeito de Versalhes. Só posso imaginar que deve ser a casa dela. “Às vezes o único jeito é brincar!!!!!!! ????????????????????????????????????????????????????????????????????????????”, diz a legenda.
Há tanta coisa para se gostar neste vídeo: a “Marcha Turca” de Mozart tocando ao fundo, o fato de Spears, com um pé sobre um banco, como um flamingo, começar o vídeo usando uma camisa de homem por cima de um sutiã branco push-up e shortinho branco, enquanto na tomada seguinte ela está de robe quimono; o modo como ela mexe os lábios, fazendo um beicinho pensativo mas bonitinho antes de cada pincelada.
Sobretudo, Britney não recorre a artifícios ao mostrar sua arte para o grande público. Novamente aqui, o importante não é que ela não esteja fazendo um esforço, mas que é evidente que está fazendo um esforço grande. Essa evidência de seu esforço é visível em toda parte no post; sua artificialidade intencional soa mais sincera do que soaria uma autenticidade forçada. Descrito pela Glamour como “deliciosamente bizarro”, o vídeo viralizou rapidamente, e a pintura original que Britney estava pintando acabou sendo vendida por US$10 mil. (Para ver mais conteúdos de pintura de Britney, dê uma olhada nesta joia igualmente dez.)
Britney vive sua vida sobre o palco desde que tinha 10 anos, possivelmente se preparando para nossa realidade pós-Instagram, na qual a privacidade é um direito do qual abrimos mão de bom grado. Em seu livro Trainwreck, Sady Doyle descreve a corda bamba impossível que Britney foi obrigada a percorrer quando estava no auge de sua fama. Para evitar ser rejeitada pelo público, ela tinha que ser ao mesmo tempo “virgem e garota do calendário, garota ingênua e sedutora mundana, ícone cool e exemplo conservador cristão; sempre tinha que ser ao mesmo tempo as duas coisas ou nenhuma das duas, tudo ou nada.”
Não surpreende que essa pressão inimaginável a tenha feito desabar. E, nas palavras de Doyle, o sofrimento de Britney virou entretenimento espalhado no TMZ e nas páginas da US Weekly. Com isso, sua vida entre 2008 e 2016 foi dominada por uma conservadoria aprovada por tribunal que entregou a responsabilidade por suas decisões pessoais e financeiras a seu pai, sua irmã e seu advogado.
Depois de passar tempo longe dos holofotes e de reconstruir sua vida e a si mesma, Britney apareceu no Instagram não como símbolo de feminilidade desejável ou idade adulta calamitosa, mas como uma pessoa real e bizarra, com interesses próprios, senso de humor e uma paixão por desfilar. Para ela, uma figura pública à qual foi pedido que encarnasse em idade muito precoce os valores contraditórios da condição feminina sancionada, essa nova liberdade parece ser irresistível.
“As pessoas estão obcecadas com o Instagram de Britney porque eles nos oferece vislumbres de esperança”, escreveu ao HuffPost a crítica Alicia Eler, autora de The Selfie Generation.
Para Rao, “reencontramos uma pessoa que conhecíamos até ela partir em meio a uma névoa de mistério, tornando-se ela mesma e colocando de ponta-cabeça nossas ideias sobre a fama”.
Em mais um post clássico de Britney, a cantora está sozinha na sala enorme de sua casa, usando um vestidinho preto, e canta “I Can’t Help Falling in Love With You” usando o mesmo tom afetado que emprega tão bem desde que era adolescente. Não há ninguém presente para ver a apresentação, a não ser a pessoa que está movendo a câmera em volta de Britney para nos proporcionar uma visão em 360 graus. Sem pedir desculpas por isso, ela se arrumou toda para cantar para Britney e mais ninguém.
“Eu sempre quis fazer uma apresentação assim”, diz a legenda, “cantar num vestidinho preto bonitinho, com uma tomada simples de 360º ! Achei que já que era meu aniversário, por que não? Então bum ???? quando o relógio bateu meia-noite, eu fiz!!!”
Para nós, pessoas normais e não famosas, as redes sociais podem nos proporcionar um espaço para fazer de conta que as coisas saíram de outro jeito. Na plataforma, amigos viram seguidores, um pouco como fãs, e o registro das atividades mais mundanas de repente suscita atenção e elogios. Podemos usar o espaço digital para moldar e apresentar as versões platônicas de nós mesmos.
Britney Spears, que cresceu famosa e debaixo dos holofotes, usa o Instagram para fazer o oposto. Em suas próprias palavras, “às vezes o único jeito é brincar!!!!!! ????????????????????????????????????????????????????????????????????????????”.